sábado, 18 de fevereiro de 2012

bobo da corte.

"E era para ser um feriado de carnaval  maravilhoso. Longe de toda folia, mas com nossos corações soltando serpentina e pulando de alegria."


não é fácil.

"Qualquer um pode zangar-se - isto é fácil. 
Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa - não é fácil." (Aristóteles)

Para refletir, para recriar-se

Pensar é transgredir


Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos. 
Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido. 
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo. 
Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!" 
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação. 
Sem ter programado, a gente pára pra pensar. 
Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se. 
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto. 
Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida. 
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar. 
Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo. 
Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos. 
Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem. 
Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada. 
Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado. 
Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança. 
Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade. 
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for. 
E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.

(Lya Luft)

E ai?

A Playboy de Amyr Klink

A Playboy não é apenas a revista de nu feminino mais famosa do país ou a revista que contém as entrevistas mais interessantes. A Playboy é também o símbolo da tolerância, da inteligência e da modernidade entre casais.
Outro dia alguém comentou, numa roda de amigos, que a esposa de Amyr Klink havia mandado uma revista Playboy de presente para o marido quando ele esteve em uma de suas viagens glaciais solitárias. Fui informada que ela deu este depoimento num documentário que o canal GNT passou sobre o navegador. Não vi o programa, mas parabéns, senhora Klink.
O homem está lá longe, mais sozinho que goleiro de time que está dando goleada, e tem a chance de receber umas revistas. Que revistas? Se eu fosse mulher dele, mandava uma revista de informação, para ele saber em que pé anda o mundo, e talvez uma revista sobre assuntos náuticos, para ele confrontar sua experiência com a dos outros.
Mas para se sentir em casa, uma Playboy, é lógico.
Mulheres que se sentem ameaçadas por fantasias precisam aprender a controlar sua neurose. A fantasia é inerente ao homem e à própria mulher. Ninguém segura o rojão da realidade 24 horas por dia. Sonhar é necessário e benigno. Homem nenhum vai pedir o divórcio só porque viu a foto de uma Sheila pelada. Não se trata de pouca vergonha: é vergonha nenhuma. O que ele vai fazer com sua imaginação é problema dele e em benefício dele. Aliás, nada que as mulheres também não façam.
Uma mulher que envie uma Playboy para o marido exilado, em vez de mandar apenas a foto dos filhinhos, é uma mulher que ama, que respeita e que tem senso de humor.
É uma mulher que sabe que não é proprietária de ninguém, que confia em si mesma e na relação que estabeleceu. É uma mulher que sabe que uma revista é uma revista e nada mais.
Há, no entanto, mulheres que competem com a individualidade do outro e chamam isso de amor. Senhora Klink, por ter feito a generosidade de fornecer a seu marido um pouco de fantasia em sua solidão voluntária, toque aqui. Amor também é isso.
Martha Medeiros

Dos dias depois de amanhã.